A princesa e o empreendedor

A princesa e o empreendedor

Um dos livros de maior sucesso de Júlio Verne, conta a história do lorde inglês Fíleas Fogg que, respondendo a uma aposta com os colegas do Clube Reformador de Londres, partiu para uma “Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, levando como auxiliar apenas seu mordomo, chamado Fura-Vidas.
 
Em uma das passagens mais empolgantes, os dois estavam atravessando uma região selvagem da Índia, acompanhados por um guia da seita Parse e do general britânico de nome Francis Cromarty, quando viram, sem serem vistos, um sutty, ou seja, um sacrifico humano oferecido a Cali, a deusa do amor e da morte. A vítima era uma linda princesa, chamada Aouda, que estava para ser queimada viva junto com o falecido marido, o rei do local. Lorde Fíleas resolveu salvá-la, e encomendou ao grupo um plano de ação.
 
O general Cromarty, como a maior autoridade militar presente, imediatamente colou-se a elaborar um plano que parecia infalível. Quando apresentou a Fíleas, todos perceberam que o plano era realmente bom, com estratégia perfeita, e com certeza daria o resultado desejado, ou seja, salvar a princesa sem colocar em risco nenhum dos membros da expedição. Só tinha um pequeno defeito: exigia a utilização de uma força-tarefa composta por pelo menos quatro patrulhas bem armadas, cada qual comandada por um sargento experiente em batalhas e por um guia nativo conhecedor do terreno. Ou seja, era inviável.
 
Enquanto o general e o lorde conversavam, procurando uma solução para buscar os soldados e os armamentos necessários, o mordomo Fura-Vidas, que não conseguia se fazer ouvir, esgueirou-se até o local do sacrifício, retirou o corpo do rei morto, e colocou-se no lugar dele. De repente levantou-se, como se estivesse ressuscitando, e saiu carregando a princesa desfalecida, passando pelo meio do povo que considerava o acontecido como um milagre, deixando os dois em paz, permitindo a fuga.
 
Essa passagem do livro, muito bem explorada no filme, é um ótimo exemplo de um comportamento muito desejado atualmente nas empresas: fazer mais com menos. Enquanto a equipe gerencial estava discutindo como aumentar os recursos necessários para resolver o problema, o estagiário novato encontrou uma solução e o resolveu sem aumentar os recursos, apenas usando a criatividade e a ousadia.
 
Isso vem de encontro ao conceito moderno de competência, que pode ser equacionado da seguinte maneira: competência é diretamente proporcional ao resultado obtido, mas é inversamente proporcional ao tempo consumido e ao volume de recursos ou de esforços empregados. Ou seja, para avaliar competência, não basta considerar o resultado. É importante levar em consideração a relação custo-benefício.
 
É por isso que apenas conhecimento, como sinônimo de capacitação técnica já não é os determinante único da competência, devendo estar acompanhado pela habilidade para usar esse conhecimento e pela atitude mental adequada e desejável para cada situação.
 
Iniciativa, criatividade, ousadia, responsabilidade. Quatro qualidades humanas cada vez mais desejadas, que quando em conjunto são identificadas pelo nome de “empreendedorismo”.
 
Importante lembrar que, ainda que esse assunto seja cada vez mais considerado, não recebe espaço nas escolas, a ponto de virar disciplina na formação dos futuros administradores. Empreendedorismo é uma qualidade dos empresários, mas não só deles. Qualquer atividade, por simples que seja, pode vir acompanhada desse produto, que, se comparado a um tempero, é o que vai fazer a diferença no prato final.
 
Ser empreendedor é fazer o que ninguém fez, encontrar novas soluções para antigos problemas, antecipar respostas a perguntas ainda não formuladas, agilizar processos, facilitar trâmites, acelerar resultados, colocar o sorriso antes do motivo para sorrir. Empreender é gerar riqueza, patrocinar progresso, criar vida. O empreendedor não é apenas útil, é necessário, ou mais, imprescindível.
 
Todos os avanços da sociedade ou da própria humanidade deveram-se a empreendedores. E é importante lembrar que todos nós somos empreendedores, pois essa é uma característica humana. Quando não o somos, estamos boicotando nossa essência, e a culpa é, com certeza, do modelo que nos orientou. Por isso proponho que façamos, todos, um exercício de voltar à nossa origem de gametas vitoriosos. O momento é bom para isso, no Brasil atual.
 
Nascemos para reinventar o mundo. E isso tanto pode significar salvar a vida de uma princesa, como criar uma maneira mais eficiente de atender ao usuário do protocolo de uma repartição pública, não importa. O que importa é a sensação de estar vivo, reinventando-se permanentemente!
 
Em tempo: A salvação da princesa aparece, no livro “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, no capítulo chamado “A fortuna sorri aos audaciosos”.
 
Texto publicado sob licença da revista Você s/a, Editora Abril.
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