O valor da empatia

O valor da empatia

Só tem um assunto que vai aparecer ao longo de todo o ano: a empatia.
O professor Paulo de Tarso era o responsável pela disciplina de Psicologia Médica. Ao contrário do que imaginávamos, não iriamos aprender terapias para neuroses, muito menos para psicoses. Para a primeira é necessário cursar psicologia, e a segunda é assunto da psiquiatria, que era outra disciplina. A Psicologia Médica se ocupa, essencialmente de um assunto: da relação entre o médico e seu paciente.
O professor era claro e enfático. A confiança do paciente em seu médico é absolutamente fundamental para o sucesso do tratamento. O paciente precisa acreditar, respeitar, admirar aquele que sobre cujas mãos deposita a esperança do fim de seu sofrimento, da cura de sua doença, da interrupção de seu mal estar. E a confiança não vem só dos diplomas pendurados na parede da sala de espera (ainda que a formação técnica seja insubstituível), vem também, ou principalmente, da certeza de que o médico percebeu com precisão a disfunção, e entendeu com qualidade o sofrimento de seu paciente.
Tanto para o diagnóstico quanto para a terapia, o olhar sincero e atento do profissional é ferramenta poderosa. Afinal, como compreender o que não percebemos? Como aprender o que não compreendemos? Como cuidar do que não conhecemos? E, nas relações humanas, esse olhar dedicado, a intenção real sobre o outro, sobre seu conforto e bem estar, tem um nome. Chama-se empatia.
Pode-se definir empatia como a capacidade de entender o que sentiria se estivesse sentindo o que o outro de fato sente. Ser empático não é sentir a dor do outro. É compreende-la. E assim criar as condições verdadeiras para mitigar tal dor. Se você não busca entender o sentimento do outro não terá motivos para lidar com ele da forma mais adequada. Para o espaçoso tanto faz se seu vizinho se sente invadido. Para o grandiloquente pouco importa se está destruindo a concentração de quem está por perto. Para estes, empatia não faz sentido, não aparece no dicionário de valores pessoais, aquele que consultamos, sem saber, a cada decisão, a cada ato.
Empatia não é o mesmo que simpatia. Ambas as palavras vem do grego e usam a raiz pathos, que, em sua origem mais remota significa doença, padecimento (daí patologia), mas que também tem o significado de paixão, forte emoção. Simpatia usa o prefixo sin, que significa junto, ao lado de. Já o prefixo de empatia é en, que remete ao interior, estar dentro de, junto de verdade. O simpático está ao teu lado, o empático está com você. O simpático te olha, o empático te toca, mesmo que não use as mãos. O simpático é agradável, o empático é necessário.
Se alguém mostra simpatia quando você está com um grande problema, está sendo educado, solidário, compreensivo. Mas quem é empático mostra solidariedade real, disposição genuína de colaborar, ainda que muitas vezes não tenha nem saiba como. O simpático tenta mostrar seu ponto de vista, sua verdade. O empático quer ouvir, abrir espaço para que você desenvolva sua própria compreensão. Se você conta, em uma mesa de bar, que seu casamento acabou, e por isso você precisa de uma bebida, o simpático vai dizer pra você não ficar triste; o empático vai entender que isso não é possível, e vai te oferecer um olhar de cumplicidade. Se você precisar desabafar, prefira o empático.
Em uma conversa recente com um executivo de uma empresa, ouvi queixas sobre a incompetência dos funcionários, as exigências dos chefes, a eterna insatisfação dos clientes, entre outras lamúrias corporativas. Como tal executivo precisava desabafar, eu havia oferecido meu tempo e minha atenção. Fui então percebendo que todo o discurso do rapaz tinha um tema central – ele era a vítima do sistema. Os outros não o compreendiam e não faziam nada por ele. Pobre e injustiçado aspirante a bem-sucedido-executivo-frustrado.
Eu estava realmente solidário com sua situação, mas tratei de mudar um pouco sua percepção através de perguntas simples, explorando os sentimentos, mas dos outros, não os seus, uma vez que estes já estavam claros o suficiente. Foi quando ele se deu conta de que ele não tinha a menor ideia do que passava pelo peito de seus funcionários, de seus patrões e de seus clientes. Ele não conhecia os sentimentos e das expectativas dos outros. Não conhecia e não se interessava. Só as suas valiam. Eu lhe fiz então uma proposta, uma estratégia de ação que recebeu um nome: Projeto Empatia.
Nos próximos dois meses ele assumiria a postura de dedicar-se a compreender os outros. A metalinguagem das palavras, os sinais sutis das expressões faciais, as posturas corporais, as reações imediatas das pessoas diante de suas demandas ou explicações. Em resumo, fazer um esforço para entender as pessoas. Simples assim, apesar de não ser fácil, especialmente para quem esteve, por toda a vida, concentrado no próprio umbigo.
Ninguém podia dizer que o jovem executivo não era simpático. Agradável e bem apessoado, sabia sorrir, fazer gracejos adequados, conversar sobre vários assuntos. Entretanto toda sua simpatia e charme pessoal não eram capazes de estabelecer laços com um mínimo de profundidade, que aliás, são necessários quando se trata de exercer liderança ou fazer negócios. No mundo do trabalho, assim como nas relações sociais, amizades e casamentos, a simpatia abre a porta, mas é a empatia que a mantém aberta.
O resultado da estratégia foi surpreendente. Entre outras coisas ele se surpreendeu com a reação de sua secretária quando ele fez um simples elogio a um relatório preparado por ela. Ele jamais havia se atentado para o fato de sua funcionária precisa ser validada, reconhecida, incentivada. “Seu comportamento mudou para melhor”, me disse ele com alegria. Reações equivalentes ele observou em sua noiva, seus irmãos e até em seus clientes, com quem tinha que manter longas conversações antes de fechar um negócio. É isso mesmo. A empatia faz negócios, consolida amizades, salva casamentos.
O professor Paulo de Tarso tinha razão. Muito jovens, ainda não entendíamos as sutilezas das relações humanas, e ele, com toda sua experiência, sabia disso. No final da primeira aula, ele disse, em tom grave:
– Percebo que vocês ainda não compreenderam qual o verdadeiro papel de um médico na vida de um paciente e também de sua família. O remédio não vem só da farmácia. Vem do olhar…
Todos ficamos apreensivos, pois aquela constatação soava como uma reprimenda, uma advertência. Foi quando ele concluiu:
– Mas não se preocupem. Eu compreendo vocês…
 
Texto publicado sob licença da revista Vida Simples, Editora Abril. Todos os direitos reservados. Visite o site da revista: www.revistavidasimples.com.br 

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